domingo, 19 de setembro de 2010

Resenha: Y - The Last Man

Por Breno Peruchi




Ah, se eu fosse homem!

Eu sempre fui apaixonado pelo fim do mundo. Não sei se é por ter nascido no ano em que Chernobyl foi pro espaço, ou pelo fato de meu irmão ter me obrigado a ver todo e qualquer filme sobre o gênero. A verdade é que eu sempre fui obcecado pelo fim do mundo. E, sejamos sinceros, com o fim da Guerra Fria, as pessoas passaram a temer cada vez menos o dia do acerto de contas. Por consequência, passaram a produzir menos sobre este tema específico. Felizmente, quando o fizeram, foram muito mais imaginativos do que os infinitos devaneios sobre envenenamento radioativo e baratas gigantes. E em 2002, o genial Brian K. Vaughan trouxe o gênero de volta com uma história que te prende pelas entranhas e não te deixa em paz enquanto não terminar de ler. Uma não tão pequena jóia de sessenta edições chamada Y: The Last Man. (Em respeito àqueles que, como eu, odeiam tradução e/ou não têm paciência para esperar as obras serem traduzidas, eu me reservo o direito de escrever meus textículos com os nomes originais. Ok? Valeu!)

O “Y” é de Yorick, o personagem principal. Ou do cromossomo y, aquele que faz os homens serem homens; e nessa graphic novel, os condena à morte. Tanto faz, o fato que é, de repente, todo macho do mundo morre. Veja bem, não estou falando de humanos. Todo e qualquer ser do sexo masculino, seja ele humano, suíno, inseto, gameta ou até pokemon, morre em um piscar de olhos. Tirando Yorick e seu recém adquirido macaco-prego-atirador-de-fezes, Ampersand.
Por que eles sobrevivem? Ninguém sabe. A questão mais importante é: Eles continuarão vivos?

Imagine acordar uma manhã e descobrir que você é o último homem da terra. Temos aí, algo em torno de 3 bilhões de mulheres, e você é o único macho do mundo. Que beleza, hein garotão? Vai começar por onde? Pela princesinha do colégio que falou que só te beijaria se você fosse o último homem da Terra? É o sonho de todo homem, certo? Errado.



Vaughan prova que é um gênio ao encontrar o horror naquela que é, provavelmente, a maior fantasia masculina: ser o único homem em um mundo de mulheres. Pois, sejamos sinceros, a primeira imagem que vem na cabeça de um homem quando pensa na possibilidade, é uma orgia infinita com super-modelos e ex-colegas de colégio maravilhosas que o desprezaram na adolescência. Nenhum homem imaginaria ficar trancado em uma cela esterelizada se masturbando em um copinho de plástico para repopular o mundo. Nem eu, nem você, e felizmente nem o próprio Vaughan. Mas ele teve a capacidade de ir além da fantasia absoluta e perceber que, talvez, ser o último homem do planeta não seja uma coisa tão boa assim.

Y: The Last Man nos apresenta um planeta na iminência da anarquia total; ainda há um resquício de governo, as mulheres ainda tentam se comportar de forma civilizada, mas há alguns fatores muito desagradáveis. Mais de três bilhões de corpos em decomposição espalhados pelo mundo, por exemplo. Viúvas de políticos americanos tentando invadir a Casa Branca à força por acharem que devem ocupar o lugar de seus maridos no governo. E claro, as Amazonas, um grupo de psicopatas que acredita que os homens foram mortos pela Mãe Natureza por serem indignos e passam a maior parte do tempo incendiando bancos de semen pra terminar o trabalho. As Amazonas podem te levar a pensar que Vaughan não gosta muito de mulheres. Mas segundo o próprio, se invertêssemos a situação, demoraria uns 10 minutos para os homens se destruírem com bombas atômicas. Logo, acho que este é o melhor cenário possível.

A série, que deixou de ser publicada lá fora em 2008, está sendo publicada no Brasil pela Panini. Até o presente momento, foram lançados três volumes, compreendendo as 17 primeiras edições dessa história fantástica. Ao todo são 60 edições de pura vitória e maravilha literária. Mas, para começo de conversa, vamos focar no primeiro volume, formado pelas cinco primeiras edições.



O Começo do fim

O primeiro volume nos apresenta o cenário da trama e suas personagens principais:(Viu, Profª Ana Maria, eu aprendi que personagem é uma palavra feminina.) Yorick, um gênio dos one-liners; sua Mãe, uma política norte-americana de alto escalão; Alter, uma soldado israelita casca-grossa; Dra. Allison Mann uma geneticista que pode ser a única esperança na perpetuação da espécie; a irmã paramédica de Yorick, Hero; e finalmente a fenomenal agente 355, que trabalha em uma obscura agência do governo e é designada para proteger Yorick contra sua vontade. Ah, claro. Não podemos nos esquecer de Ampersand, que na versão brazuca é chamado de Ampulheta. (Ampersand é como chamamos o símbolo “&”, que na visão do tradutor, deve parecer uma ampulheta.)

Lembramos que Yorick não é exatamente um brucutu dos anos 80. Nada de músculos avantajados, habilidades com armas ou qualquer coisa que seja útil num mundo pós-apocaliptico. Nem bonito ele é! Nosso herói (sic!) não passa de um cara normal, formado em Literatura Inglesa que ganha uns trocados fazendo apresentações de escapismo, ou como diz meu irmão: “a arte de sair vazado”. Opa, retiro o que eu disse, ele tem uma habilidade útil sim, Harry Houdini ficaria orgulhoso do rapaz. Yorick é um grande escapista, não só na arte, mas também na parte psicológica. E como isso é bem retratado.



Vaughan escreve com maestria. O autor consegue nos ambientar nesse mundo obscuro, amputado e completamente pirado em que os caras simplesmente deram dez na pata do veado. A única coisa que me incomoda um pouco é a nobreza de Yorick. Novamente, três bilhões de mulheres, um homem. Vai à forra, garoto! Eu iria! Mas Yorick é muito, muito nobre. Tudo que ele quer é arrumar um jeito de ir para a Austrália para encontrar sua namorada, Beth.

O quê? Eu ainda não tinha mencionado a namorada que está na Austrália? Como não? Ela é a motivação para o nosso herói se lançar em sua aventura! Foi ela que me inspirou a fazer trabalho voluntário na África, pôxa vida!

Enfim, tudo o que ele quer é ir até Boston, encontrar a Dra. Mann, levá-la a Washington e depois partir para a Austrália encontrar a namoradinha. Simples, direto, objetivo. Pena que o holocausto aconteceu na hora do rush, as estradas estão todas bloqueadas por acidentes e a malha aérea simplesmente deixou de existir. Além disso, Yorick tem que fugir de um bando de barangas cheias de tesão e, claro, há as Amazonas, que ao descobrirem sua existência querem mais é acabar com a raça do pobre rapaz antes que ele resolva repopular o mundo com homens. Cortar o mal pela raiz. Se é que você me entende.

Isso tudo, é claro, com a nossa idolatrada 355 a tira-colo. Deixa eu tentar explicar o tanto que a 355 é foda. Ela é negra, agente federal, atlética, tão rude quanto o Wolverine e tem nome de Ferrari! Todo mundo quer ser negro, atlético, andar armado e ser grosso como uma porta. Mas ninguém jamais ousaria aspirar a ser homônimo de uma macchina! Ninguém é digno de tal alcunha! Tirando, é claro, nossa heroína. (Deus, se você tá a toa aí em cima, faça-me um favor. Se algum dia, por acaso, realmente decidirem adaptar Y... Não deixa a Alicia Keys escapar! Tá bom? Brigado!)

Como eu estava dizendo, falta um pouco de profundidade ao rapaz. Eu, em seu lugar, teria pirado um pouco no começo, depois passaria para a fase “vamos repopular” e depois me lembraria da namoradinha do outro lado do planeta. O quê? Minha sinceridade te ofende? Que pena, mas é a mais pura verdade. Entretanto, o que falta em profundidade, sobra em cultura pop, meu amigo. Nosso protagonista é uma metralhadora de referências pop. Praticamente uma Lorelai Gilmore pós-adolescente. (Sim, eu curto Gilmore Girls, durma com esse barulho!) É de Elvis Presley à Star Wars, passando por Shakespeare e O Poderoso Chefão.

E para uma história guiada pelas personagens, o enredo não é deixado de lado. Claro que Vaughan não é nenhum Oscar Wilde, mas até que ele segura as pontas muito bem. Y tem uma história redondinha, sem pontas soltas, e com uma coesão que faria Lindelof e Cuse se contorcerem de inveja. Às vezes ele dá uma escorregadinha aqui e ali, mas nada que ofenda o leitor. Pra mim dá até um certo charme, como em alguns arcos menos inspirados de Sandman. Veja bem, são raros os momentos em que você olha para a HQ e pensa “Ah, não fode!”. Raríssimos. E isso é uma coisa grandiosa para uma história tão grande.

Acho que já falei demais da história, vamos mudar o assunto. Vamos falar de Pia Guerra, as mãos que dão vida aos devaneios de Vaughan. Os traços da desenhista não são uma obra-prima renascentista digna de Alex Ross, mas servem muito bem à história. E seu estilo anguloso dá uma rigidez muito peculiar às personagens femininas. O que cai perfeitamente nessa nova ordem mundial. E apesar desta rigidez, a artista tem uma capacidade ímpar de desenhar emoções fortes nos rostos das personagens. Coisa rara num universo dominado por formas voluptuosas e exageradas. (Sim, Rob Liefeld, estou apontando o dedo na sua cara, seu demente!)



Enfim, acho que a verborragia já se prolongou demais. Em suma, Y: The Last Man é um sopro de ar fresco em um gênero que faz parte do imaginário coletivo. Brian K. Vaughan conseguiu criar uma história inovadora, muito bem contada, e com personagens extremamente cativantes. (Oi, 355!) Por Deus! Ele até me inspirou a escrever meu próprio livro sobre o fim do mundo. Com apenas duas páginas o autor já consegue te fisgar, e aí, meu amigo, é uma montanha russa de 60 edições. Esta é a obra-prima do autor que já nos presenteou com pérolas como Runaways, Pride of Bagdad, e Ex Machina, dentre outras. Se eu acho que você deve ler? Para ser bem sincero, eu não te respeito enquanto você não o fizer. Qualquer fã de quadrinhos deve ter esta série e colocá-la na estante bem ao lado de Watchmen, Sandman, Preacher...


Nosso mais novo colaborador, o grande Breno Peruchi vai aparecer aqui pra poder mostrar um pouco de sua sabedoria sobre HQs e graphic novels, como sempre, no melhor estilo geek. Aguardem bons textos dele. Só não espere nada muito mainstream: nosso amigo vai proporcionar uma jornada aos confins mais sinistros e desconhecidos dos quadrinhos. Que seja, também, bem-vindo!

15 comentários:

  1. Caramba!

    Excelente review cara, admito que ainda não tinha ouvido falar sobre essa obra e fiquei com muita vontade de devorar todos os volumes.

    Abraços e continue assim!

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  2. Valeu White!

    A idéia é fazer o pessoal ler as coisas que eu leio pra eu ter com quem conversar sobre ahuauhahua.

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  3. Muuito bom!
    Eu li os dois primeiros números em inglês mesmo, numa época que o próprio Omelete comentou do lançamento da Panini.

    Tá aí um review que deve ser passado a frente como utilidade pública para quem não conhece a HQ.

    :D

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  4. Noossa, a história é incrivel...acha fácil pra comprar?

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  5. @P.wantsacracker

    Em português da pra achar tranquilo nas livrarias mais conhecidas e eu vi até em algumas bancas. Ou no site da própria Panini. ( http://www.paninicomics.com.br/web/guest/shop ) Manda um search por "the last man" que aparecem os três primeiros volumes lá. 16,90 os dois primeiros e 19,50 o terceiro.

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  6. Uau, fiquei até com vontade de ler.
    Parabéns pelo blog

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  7. Boa dica. Não vou prometer que vá ler, mas não custa pesquisar :)

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  8. adorei o Blog, os textos..enfim, tudo! :]
    passa la no meu e comenta tmb?

    http://tayna-nataly.blogspot.com

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  9. hmmm interessante ein .. vou procurar saber mais pq nunca vi nada parecido.
    legal .. dá vontade de ler :)
    vlw ^^

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  10. Bom do gênero eu gosto, resta saber se vou gostar da história em si.
    (:

    http://cultb.blogspot.com/

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  11. Olá... Uma dica, textos muito grandes divida-os em sagas... Até uns 3 posts, porque fica muito cansativo de ler e a pessoa acaba saindo da página... Rss..

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  12. também curto esse tema, e será q o mundo acabará em 2012?
    piadas a parte, seu post está muito bom e o livro pareceu realmente ser cativante afinal não creio que vc faria um post desses para um livro meia boca.

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  13. Muito interessante o enredo. Se eu tivesse tempo iria atrás da coleção toda para lê-la.

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