terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Resenha: Hotel Dusk - Room 215

Por Matheus "White" Carvalho


Já perceberam o quanto eu falo de “feeling” nas minhas resenhas?

Em uma mesa de bar, eu poderia passar horas e horas discutindo sobre isso. Mas, pensem bem, existem jogos que são tão parecidos uns com os outros que, apesar de gostarmos, eles passam sem deixar nenhuma marca, sem afetá-lo de alguma forma especial.

Outros, no entanto, obtém um lugar especial dentro de nossas memórias, por serem tão... únicos, trazerem uma ambientação que nenhum outro jogo consegue e te deixar de um jeito estranho, que nenhum outro deixa.

Como se ficasse em um “humor especial” quando jogasse esses jogos.

Esses jogos conseguem trazer um “feeling único” por diversas razões, seja pela história, personagens, visual, músicas, gameplay ou simplesmente pela sua originalidade.

Hoje falarei sobre um jogo que me marcou por todas as opções anteriores.

HOTEL DUSK: ROOM 215



Estamos há umas boas semanas só falando de jogos com muito sangue e explosões, acho que chegou a hora de falarmos sobre jogos mais cultos, obrigado.

Podem relaxar que a próxima resenha deve ser do vD, isso significa que voltaremos a nossa já habitual sede de sangue e carnificina, mas por hora vamos nos sentar, tomar um copo de conhaque, ouvir o som da chuva e apreciarmos a arte que temos em nossas mãos essa noite de entre-festas.

Los Angeles, Califórnia - 1979



Hummm... essas imagens, esse clima de subúrbio americano, essa música...

Eu poderia confundir essa entrada com uma de Law & Order.

Acho que agora já deixei vocês aonde eu quero, vamos seguir em frente.

Hotel Dusk é um jogo lançado para meu amado portátil, o DS, em 2007 e conta a história do ex-policial Kyle Hyde.

Como podem perceber pela animação de entrada, Kyle teve um desencontro com seu parceiro e amigo, Bryan Bradley. E, em um clímax digno de um blockbuster, Kyle se entrega ao calor do momento e atira em seu parceiro, fazendo-o cair no rio e acreditando que nunca mais teria de se preocupar com ele.

Ledo engano.

Graças a este fato, Kyle acabou se demitindo da polícia e acabou trabalhando como vendedor na empresa Red Crown.

O tempo passou e Kyle é constantemente perseguido pelos fantasmas de seu passado e as dúvidas pareciam cada vez mais sem respostas.

Mas em um dia perto das festividades de fim de ano, onde todos estão com seus entes queridos, Kyle se vê atravessando um deserto, pois foi designado a um serviço extraordinário em um hotel a beira da estrada: Hotel Dusk.

Dentro do local, Kyle acaba encontrando pistas de que seu parceiro esteve lá e de aquele hotel de quinta contém muita história para contar, o suficiente para saber tudo o que realmente tinha acontecido há alguns anos atrás. Para sua sorte, ele acaba ficando com o quarto 215, “Wish”, essa que tem a fama de realizar o desejo de quem passasse a noite lá.

Segredos, histórias e resoluções



Acredito que Hotel Dusk não instigou a curiosidade de ninguém ainda. Me lembro bem de que quando comecei o jogo, estranhei um pouco a história.

Não havia assassinatos, jóias roubadas ou um vilão a perseguir. Apenas continuar em frente e simplesmente entender o que aconteceu.

Mas ai que você começa a sentir a magia de Hotel Dusk. A história tem um rumo nada tradicional.

Kyle passa exatamente uma noite no hotel, e nela, ele acaba interagindo não só com os segredos escondidos dentro do hotel como também com seus clientes daquela noite.

Para cada hóspede, uma história, um motivo para ele estar ali. Hotel Dusk não tem personagens ou acontecimentos inúteis, tudo tem uma razão. Kyle deve conseguir tirar todas as informações possíveis deles para conseguir entender tudo que está acontecendo.

Cada pessoa, cada pista, cada corredor contém um pequena peça que deve ser juntada –lentamente- no grande quebra-cabeça para se entender a história como um todo. Como se todas as pequenas histórias se entrelaçassem para formar a grande trama por trás do jogo e o verdadeiro entendimento de tudo.

Sim, eu usei o termo quebra-cabeça. Mas é exatamente essa a impressão que o jogo nos deixa. Ela é relativamente complexa e não aparece um cara do nada revelando tudo para o principal. Não! Ela vem aos poucos e lentamente, passando despercebido aos menos atentos.

Para isso, mais do que uma vez Kyle é obrigado a pausar sua investigação simplesmente para refletir sobre tudo que sabe até agora e tentar traçar mentalmente seus objetivos e que pistas deve perseguir agora.

As vezes, pode dar um nó na cabeça e fica difícil de ligar os pontos.

Mas acredite que o sabor de sentir a verdade cada vez mais perto é tentador.

Vai por mim.

Desajustados e solitários



Deixe-me falar só mais um pouquinho dos personagens.

O elenco de Hotel Dusk é quase tão bom quanto sua história. Como já devem ter percebido, a peculiar arte do jogo é um grande fator aqui, pois é bem detalhista ao criar as fisionomias e expressões dos personagens, o que acaba dando a todos eles uma enorme profundidade e carisma logo a primeira vista.

Kyle é o típico personagem de filme Noir: ex-policial grosseiro, ranzinza e boca dura, mas consegue bancar o cara simpático e legal quando necessário. Ele é auxiliado pelos membros da Red Crown: a maravilhosa secretária Rachel e seu misterioso chefe Vincent.

Entre os funcionários do hotel, temos Louis que era um trombadinha de Nova Iorque que enquanto tentava fugir da antiga vida acabou parando como faz-tudo no hotel, Rosa, que faz o papel de tia irritante mas que não podemos deixar de amar e Dunning que é o dono do Hotel e de uma crise de mau-humor sem fim aparente.

Quanto aos clientes do hotel, temos: Melissa que é uma das garotas mais realistas que já vi em um game, Kevin, seu pai todo errado, Martin que tem o posto de escritor mais mala do planeta (isso só porque EU ainda não comecei a escrever), Helen que é uma senhorazinha educada que você vai querer ter como avó, Iris, uma patricinha fresca, Jeff, o playboy que todos queremos surrar e, é claro, Mila, que eu considero uma das garotas mais lindas já desenhadas.

Falando assim, todos parecem estereotipados, mas seja pelas suas motivações, histórias ou simplesmente pelo design, você acaba se apaixonando por todos eles.

Menos o Jeff, mas ele foi feito para desagradável, então passa.

Alguns podem falar que o jogo é conveniente demais, afinal, como é que tantas pessoas com histórias tão próximas e cruzadas possam estar todos na mesma noite no mesmo hotel?

Eu rebato esse argumento dizendo: era para eles estarem lá.

Vejam bem: O jogo se passa na noite de 29 de dezembro em pleno começo da década de 80! Reitero que nessa época, todo mundo está com suas famílias, no aconchego do lar (exceto é claro eu, que estou a escrever esta resenha...).

Agora, o que um bando de gente estaria fazendo em um hotel meia-boca na beira da estrada nessa época do ano?

Pois é, meus caros, coincidências não existem.

Apontando e Clicando



Chega de história! Temos muito a tratar do gameplay.

É o estilo Point ‘n Click Adventure que funciona tão bem no DS. Basicamente, você segue a história apontando os objetos ou pessoas que quer interagir, escolhendo opções de respostas para abrir novos diálogos, utilizar ferramentas ou apenas investigar.

Puzzles aparecem lá e cá e são... legais. O jogo não se funda neles como Professor Layton, mas até que eles quebram um pouco o clima e dão certa variedade ao jogo.

Você também deve estar sempre bem acompanhado com as ferramentas certas e ser bem original no uso delas para passar pelos seus desafios. Por exemplo, você precisa ler algo que está gravado em uma caneta encontrada no chão. Você pode usar um giz ou farinha para riscar a parte gravada e assim deixá-la legível.

O jogo te cobra um pouco de lógica para solução de muitos problemas, nada muito absurdo, mas você vai ter de parar muitas vezes para pensar o que deve ser usado para seguir em frente.

A movimentação é também norteada pela stylus. Na tela de baixo, temos um mapa geral, onde podemos saber onde estão as coisas, na tela de cima, temos uma visão em 3D em primeira pessoa, que nos permite melhor observação dos detalhes.

Temos um confiável e estranhamente útil bloco de notas que permite o jogador escrever livremente em suas páginas. Isso é uma mão na roda, visto que o jogo não marca para você alguns detalhes que devem ser observados ou seus próximos objetivos concretos.

Claro que se você for hiperativo como eu, você só vai usar para ficar desenhando.

Que foi? É livre!

É necessário tomar cuidado redobrado nas suas respostas e ações ou você irá acabar encarando a tela de Game Over mais de uma vez. Existindo basicamente duas formas disso acontecer.

A primeira basta responder grosseiramente aos outros personagens, se isso acontecer, eles irão convencer Dunning a te botar para fora mais rápido do que você pode jogar seu DS longe por não ter salvado há muito tempo. Para conseguir todas as informações dos hóspedes você deve ser perspicaz, saber bem o que deve falar e quando deve falar, caso contrário, pode acabar se tornando inconveniente.

O outro modo é se Kyle fuçar demais aonde não deve. Ser pego em quartos proibidos na sua primeira noite no hotel definitivamente não é bom. Para evitar isso, você deve usar sua lógica real e não sua lógica de videogame.

Deixe-me clarear: Em qualquer jogo, quando alguém lhe diz que você deve investigar um determinado quarto trancado e você consegue achar a chave desse quarto, o que você faz de primeira?

Corre para o quarto abandonado, é claro!

Mas e na vida real?

Você espera o melhor momento e deve observar bem nos arredores se não tem nenhum dedo-duro-mal-amado que irá te entregar e fará você ser expulso do local.

E é exatamente isso que acontece caso você entre no quarto sem antes dar uma aloprada no Jeff em uma parte do jogo.

Foi um exemplo, mas em diversas partes do jogo temos de conter nosso ímpeto para não acabarmos sendo pegos pelos funcionários do hotel.

Alias, é bem difícil zerar o jogo pela primeira vez sem ver ao menos uma vez a tela de game over (requisito este para obter um final secreto, fica a dica).

Mas como nem tudo são flores, esse jogo contém um defeito principal:

Com uma história fragmentada e as vezes sem objetivos concretos, você se encontrará, mais de uma vez, vagando por todo hotel, batendo em todas portas, esperando que alguma pista caia do céu para que você siga em frente na história.

Chega a ser frustrante e cansativo, mas vale a pena para chegar até o final.

Livro jogável



Acho que eu já deveria ter falado, mas antes tarde do que nunca: Você deve segurar o DS na vertical para jogar este jogo. Genial, pois assim dá a impressão que os personagens que estão conversando em cada uma das telas estão se olhando diretamente, um na frente do outro.

Isso sem falar que dá uma óbvia sensação de que você está segurando um livro.

Alias, isso é o que Hotel Dusk quer que você sinta: Que você esqueça está jogando um videogame.

O enredo e os personagens do jogo não são nada convencionais à esfera gamer, sendo muito mais comum vê-los nos filmes ou livros.

Toda a arte em preto e branco, ausência de dublagem, os cenários que parecem ter saído de uma pintura a tinta e uma trilha basicamente de jazz, blues e afins.

Esse jogo praticamente grita: ARTE!

Ah, falando das músicas, elas são bem marcantes. É engraçado, antes de escrever esta resenha, eu não me lembrava muito bem da OST, mas ao ouvir, eu automaticamente me lembrei de tudo e todas as cenas em que elas tocam e o que elas representam!

Como se estivessem arquivadas em algum lugar do meu cérebro, de um jeito que jamais perderei o sentimento que as partes que elas tocam querem nos passar.

Acreditem em mim quando eu digo que você abrirá um sorriso ao ouvir isso, desconfiar de todos ao redor quando ouvir isso e irá precisar de um abraço ao ouvir isso.

Só para fins ilustrativos.

Veredito



E temos dúvidas?

Eu amo esse jogo e tudo relacionado a ele!

Sua arte, suas músicas, seus personagens e é claro a história.

Alias, o final foi bem forte para mim. Até hoje me lembro bem das palavras ditas no final do jogo e posso recitá-las para quem quiser ouvir e também me lembro de como fiquei em estado de choque junto com o Kyle quando finalmente entendemos tudo que se passou e de como todas as histórias se juntam.

Quase um momento mágico.

Alias, Hotel Dusk é um sequência de outro jogo para DS: Trace Memory e também saiu recentemente uma continuação: Last Window: The Secret of Cape West.

Infelizmente, ainda não tive a oportunidade testá-los, algo que pretendo sanar em breve.

Alias, estava planejando pegar Last Window original. Alguém aí sabe de algum amigo que queira vender ou alguma loja que venda a um preço camarada para um cara legal?

Quem puder me ajudar, serei eternamente grato.

Hotel Dusk: Room 215
Lançado para Nintendo DS em 2007 nos EUA
Desenvolvido pela Cing, publicado pela Nintendo
Usada a versão americana para fazer esta resenha
História zerada apenas uma vez, final secreto visto pelo youtube.
Sim, eu também me envergonho disso.